Tuesday, August 28, 2007

A CASA DE MADEIRA - II

Era mais um dia de trabalho quase na hora de terminar para o Detective Salgado.
Não gostava da sua última hora no seu escritório.
Na hora de saída não trabalhava em mais nenhum caso na Delegacia, ficava apenas a rever notas, a planear o seu dia seguinte através de um horário com horas rigorosas e a olhar para a pirâmide triangular comprida e na horizontal que dizia "Det. Salgado Meira" com letras douradas.
Estava mergulhado na preguiça quando foi acordado pelo alarme do relógio, onde marcavam agora 18h30. Levantou-se e vestiu o seu casaco verde-pântano e saiu do escritório.
-João, eu sei que estás a sair mas leva, por favor, uma senhora que foi interrogada agora. Ela está lá na sala de espera.
O detective suspirou e sorriu.
Imaginava uma velhota com um chapéu engraçado adormecida nas cadeiras e nao resistiu.
Entrou na sala de espera onde estavam apenas duas mulheres, surpreendentemente a velhota, mas sem o chapéu, e uma senhora morena com uns deliciosos olhos verdes.
-Boa noite! Qual das duas senhoras precisa de chauffeur?
A velhota não se levantou. Em vez dela foi a senhora morena.
O caminho até ao lugar onde morava a senhora era relativamente rápido não fosse ela enganar-se a indicar umas direcções e perderem-se durante alguns minutos.
-Oh é aqui! Muito Obrigada e desculpe, Sr...
-João Pedro! João Pedro Salgado.
Fechou a porta do carro e subiu umas escadinhas até uma moradia típica de subúrbios.
João Pedro arrancou em direcção ao seu apartamento, cansado mas com borboletas no estômago. Rapidamente as borboletas voaram, não tinha espaço nem para perfume de mulher. Tinha que se concentrar na sua possível promoção a Delegado que seria decidida amanhã.
Por volta das 14h00 o detective tinha acabado de almoçar com os "big bosses" e era agora o Delegado Salgado Meira. Entrou no escritório e viu a senhora morena na recepção.
Ela fazia parte do seu primeiro caso como Delegado. Raquel Macedo.
Em apenas alguns meses o Delegado de fatos verde-pântano e ocúlos mudou o seu aspecto.
Fatos pretos elegantes e gravatas novas e os ocúlos pesados foram substituídos também assim como os seus hábitos rotineiros.
Trocava olhares de desejo e amor com a sua cliente preferida na cafeteria da Delegacia durante o dia e à noite jantares românticos com música ambiente. Às vezes até a puxava para dançarem uns passos curtos, lentos e apaixonados ao som de Blues e normalmente acordavam enrolados debaixo de lençóis ainda quentes da noite anterior.
A sua vida tomava um rumo apaixonante ao lado daquela mulher apenas um pequeno pormenor o distanciava dela. O processo.
Aquele processo que denegria a imagem de mulher perfeita que Raquel se tornava para ele.
Interrogá-la por homicídio era o seu único entrave. Doloroso e complexo pormenor, hum?
João Pedro Salgado considerava que apenas duas coisas venciam o amor. A morte e a lei, as barras de uma cela prisional. E ali estavam elas prontas para vencer o seu amor, e ele... a dirigir a investigação!
Basicamente, Raquel era a principal suspeita da morte de um homem numa casa de lago, um refúgio um pouco afastado da cidade. As provas confirmavam a presença de Raquel no local e à hora do crime. A vítima apresentava um ferimento letal de bala no cerebro e alguns ferimentos no peito, mas o corpo ainda estava a ser observado.
Raquel tinha sido interrogada e negava a acusação. A única prova incriminatória que tinham contra si era a sua presença na casa. A outra suspeita chamava-se Mafalda, amante da vítima que lhe tinha enviado umas mensagens ameaçadoras no dia do crime.
Estavam num impasse que confortava João Pedro. Assim podia amar Raquel sem qualquer tipo de dúvida judicial. Afinal aquela mulher já o tinha feito deixar o papel de homem viciado no trabalho e apresentava-lhe as sete maravilhas do seu mundo, de uma forma que o fazia feliz.
E a única coisa que ele desejava mais era poder fugir ao processo.

Tuesday, August 14, 2007

A CASA DE MADEIRA

Sim, disse ele, porque é que vais fazer isso?
Raquel olhou-o nos olhos sentindo que diante de si tinha a pessoa mais burra do mundo apenas por ignorar a razão de tudo aquilo.
Corroeu-a um desejo de lhe cuspir na cara e nunca mais olhar para aquele homem que outrora quis tanto.
-Não percebes nada mesmo? Este tempo todo foi um desperdício? Não me conheces ainda? - explodiu.
E pensou como era extraordinário que Bernardo não se conseguisse aperceber do seu problema como casal, e parecia-lhe que aquilo só tinha uma explicação: Ele apenas "estava" com ela, não se importou em conhecer o seu ser intrinsecamente, e ela ali disposta a partilhar sentimentos. À espera de ser descoberta.
O seu tempo, a sua relação, os seus projectos, as chamadas, Bernardo e todos os seus encontros pareciam-lhe uma enorme MENTIRA.
Raquel estagnou. A sua face rosada mudou de cor três vezes e por fim encheu-se de raiva da ponta dos seus cabelos castanhos até à ponta do dedo do pé.
Uma raiva muito pacífica, muito contrária aos seus ataques de raiva normais.
Olhou agora Bernardo de uma maneira diferente. Toda a forma de afecto ou amor desapareceu.
Fugiu como as palavras que saíram da sua boca quando ele lhe disse "Mas eu amo-te".
Ela achou-o banal como a flor que ele trouxera para lhe oferecer.
Raquel limitou-se a sair de casa. Bernardo seguiu-a e agora encontravam-se os dois no alpendre da Casa do Lago que tinha paredes de madeira.
Passavam-lhe agora mil e uma ideias pela cabeça que girava a toda a velocidade levando-a para um lugar bem longe do alpendre.
Bernardo continuava a falar, a arranjar desculpas, parecia-lhe.
Foi aí que Raquel pegou no seu revólver e disparou contra o corpo de Bernardo.
Os olhos arregalados e brancos e o corpo gélido.
Silêncio. Não ouvia mais a voz de Bernardo a queixar-se.
Raquel pensou como poderia partir o coração de Bernardo fisicamente já que a besta se tinha encarregado de partir o dela metaforicamente.
Entrou dentro da Casa de Madeira e voltou pouco depois com uma placa de gesso de uma das peças de arte da colecção de Bernardo e colocou-a no peito dele. Simulou uma reanimação que quebrou a placa de gesso e supôs que tinha provocado o mesmo efeito no seu coração.
Despejou o corpo no rio.
Foi sentar-se no seu automóvel e com as mãos no volante deu liberdade aos seus pensamentos.
Estava pronta para começar do zero. Fez a chave rodar e arrancou.
No espelho retrovisor, a Casa de Madeira.

Thursday, August 9, 2007

E se me encontrar num labirinto?
Um qualquer.
Labirinto: espécie de desafio estranho onde apenas há um caminho até à saída.
Rodeada de grandes paredes verdes, é assim que me imagino.
Dou um passo em frente e deparo-me com a primeira escolha que terei de fazer: Dois caminhos com um chão de pedrinhas.
O da direita e o da esquerda.
Penso um pouco. Direita? Reflicto um pouco mais... Esquerda?
Sempre gostei mais da direita. Avanço.
O caminho parece seguro, parece o correcto..
Sou invadida então por uma sensação de alívio relaxante que me agrada. Pareço estar certa da minha decisão.
Caminho, caminho, caminho...
À medida que avanço, à medida que perco o controlo dos meus passos começo a experimentar uma sensação nova. Revolta, incómodo.
Tento parar os meus passos mas é em vão...
Continuo a avançar pelo caminho da direita e palpo as paredes com as mãos, ao ritmo dos meus passos.
A sensação de alívio foi-se e agora começo a pensar no que perderia ou ganharia em voltar para trás. Não sinto a força para desafiar esse caminho e voltar atrás, com a certeza de que a direita deixou de ser o melhor caminho para mim e que por isso, ainda me resta a esquerda!
Não! Não posso continuar a permitir que os meus próprios passos me levem, não posso continuar acomodada, conformada.
Que peso! Peso na minha consciência, peso no meu ser.
As paredes que continuo a palpar parecem devorar-me por inteiro e então páro.
Os meus passos pararam.
Dou meia volta em torno de mim mesma, confusa ainda mas com esperança de que a mudança de rumo me faça mais feliz e me leve por caminhos que me deixem lúcida.
Encontro, por sorte, um atalho rápido para o velho caminho da esquerda.
Aí estava a minha segunda e última, a derradeira, escolha: Recomeçar e usufruir da hipótese de tomar outro rumo.
No horizonte ao meu alcance, o caminho da esquerda!
Sinto-me a levitar, a voar de liberdade...
Agora passeio, para trás deixo pegadas dos meus passos controlados.
A pouco e pouco vejo a silhueta da saída do labirinto das paredes verdes.
Ao atravessá-la penso que encontrei o meu caminho... por fim, tudo acabou.
E era tão simples! Era só virar à esquerda...
As asas do pensamento são as que não nos deixam cair, umas vezes confundem-nos e outras fazem-nos decidir.