Friday, May 23, 2008

Paralelismo

E, mais uma vez, estava no seu quarto de vestir.
A sua ama apertava-lhe o corpete "está bom senhora?" e apertava mais um pouco. Não posso respirar, não posso.
Com o vestido a esvoaçar pelo chão, vagueava fatalmente pelo grande corredor até ao Salão.
Passava as portas, que tantas vezes passara, aquelas portas altas e brancas. Os criados, aborrecidamente sincronizados, abriam-nas.
Não deixava de se deliciar com aquele espéctaculo. Clássico.
No jantar, ouvia política disparatada, economia decadente e a comida sabia-lhe mal. Caía-lhe pesada no estômago.
Não comentava mas sorria. Sabia que era isso que esperavam dela.

(...)

Depois da reunião que a deixava exausta, recebeu um telefonema, um avisozinho: era a vez dos rapazes jantarem no apartamento.
Acelerou. Voou até casa. Adiantou o jantar, desceu até à mercearia, ainda de avental. Faltava o gelo para a caipirinha.
Às 19h30 implorou por ajuda para pôr os pratos e os guardanapos na mesa e às 20h30 o jantar estava na mesa e os habituais primeiros a chegar perpetuavam a tradição.
Naquelas noites ela bebia. Sorria E bebia todos os golos da jornada do glorioso e concordava na pulhice da arbitragem.
Às 4h30, sonâmbula, acabava de arrumar a cozinha e apanhar as migalhas de nachos do tapete da sala, despejava o saco que tinha sido cheio apenas com garrafas de Super Bock. Pelo menos tinha o seu melhor amigo a seu lado, Syrah.

(...)

Branca como a porta do Salão, pálida, sufocada pelo corpete, retirou-se depois do café.
A tradição do habitual passeio no seu jardim perpetuava-se. Era dos poucos lugares do palacete que gostava, onde se sentia bem em sua casa.
Mas sentia. Sentia que havia alguma coisa.
"Podem retirar-se"
"Mas senhora..."
"Só me demoro alguns minutos"
Expulsava lentamente todos os vestígios que a pudessem distanciar daquele jardim. Só assim podia descobrir o que, naquela noite, havia de complementar.
Desperta mas embalada, virou o seu olhar um pouco mais e, no remate do jardim, viu uma sombra. Uma silhueta masculina.
Em pouco tempo, aquela silhueta mostrou um nome, mostrou um coração maior e deu-lhe a alma como quem a troca por um livro antigo. Mais do que alguma vez tinha ousado encontrar, mais do que alguma vez pudesse desejar.
Mais.
Mais do que alguma vez seria no seio daquele casamento economicamente perfeito.
Aquela sombra no jardim, abraçava-a às escondidas em encontros combinados, tornava-se lentamente no corpo que queria a criar calor humano com o seu. Passeios naquele jardim que lhes tinha dado o mote, naquelas horas avançadas da noite que os tinham apresentado.
Aquela mulher, havia descoberto o motivo do pó de arroz, havia descoberto a direcção que tinha de pedir a Deus, ao ajoelhar-se junto ao seu leito.
Mais do que receber, queria dar-se. Dar-se de corpo e alma, atributos e equilíbrio.
Lentamente aquela sombra misteriosa ganhou um corpo de homem e, ao mesmo ritmo, arrastava-a para a traição.

(...)

Nunca achou realmente que se reciclasse, mas não conseguia não o fazer. E, por isso, andava até ao próximo quarteirão.
Nunca pensou que pudesse ganhar dias mais radiantes, luminosos, apaixonantes.
Na rua do bairro, apenas com as luzes de estrada, travava uma batalha com o anel que tinha no seu dedo.
Primeiro, apenas porque estava cansada, deslizava ao seu sorriso, mas em pouco tempo essa paixão tornou-se mais forte, até apertar a distância, até matarem os segundos.
Mais encontros, mais horas de almoço na livraria que ele geria, encostados nas prateleiras a consumar a mais saborosa das derrotas. Tinha perdido a luta que travava com o compromisso de ouro, envolto, preso no seu dedo.
Enfeitiçada, ignorava o sentimento de culpa. O amor fascinava-a, cegava-a.
Entregava-lhe alegremente a felicidade ao domicilio.

(...)

Monday, May 5, 2008

(atrasado)

Alguns descobriram ontem
Alguns vão encontrar amanhã por mero acaso
Alguns nunca tiveram a chance de encontrar, nem ouvir falar dos seus métodos
Alguns ouviram falar por outros.
Certo, é que existe.
Refuto todas as hipóteses daqueles grandes filósofos. Certamente nunca sentiram o prazer de ter alguma certeza.
Mas hoje, estas palavras, são de comemoração!
Proponho um brinde.
Ergam as taças de champagne borbulhante e sorriam.
Podem dispensar a razão do brinde e, secretamente, brindar à vossa.
Eu brindo ao passar do tempo. Aos 365 longos dias. Cada um desses com 24h e cada uma dessas horas com 60 apaixonantes minutos, e em cada um desses minutos há 60 segundos que estão absolutamente repletos de ti.
Brindo à certeza do meu crescimento como pessoa e aproveito para agradecer brindando aos que me acompanham.
Penso, e resolvo mudar de visual.
Aquelas letras cansaram-me a vista e aquelas cores embaciaram-me a alma.
Dias, horas e segundos de papel.
Um ano de páginas.