Tuesday, August 14, 2007

A CASA DE MADEIRA

Sim, disse ele, porque é que vais fazer isso?
Raquel olhou-o nos olhos sentindo que diante de si tinha a pessoa mais burra do mundo apenas por ignorar a razão de tudo aquilo.
Corroeu-a um desejo de lhe cuspir na cara e nunca mais olhar para aquele homem que outrora quis tanto.
-Não percebes nada mesmo? Este tempo todo foi um desperdício? Não me conheces ainda? - explodiu.
E pensou como era extraordinário que Bernardo não se conseguisse aperceber do seu problema como casal, e parecia-lhe que aquilo só tinha uma explicação: Ele apenas "estava" com ela, não se importou em conhecer o seu ser intrinsecamente, e ela ali disposta a partilhar sentimentos. À espera de ser descoberta.
O seu tempo, a sua relação, os seus projectos, as chamadas, Bernardo e todos os seus encontros pareciam-lhe uma enorme MENTIRA.
Raquel estagnou. A sua face rosada mudou de cor três vezes e por fim encheu-se de raiva da ponta dos seus cabelos castanhos até à ponta do dedo do pé.
Uma raiva muito pacífica, muito contrária aos seus ataques de raiva normais.
Olhou agora Bernardo de uma maneira diferente. Toda a forma de afecto ou amor desapareceu.
Fugiu como as palavras que saíram da sua boca quando ele lhe disse "Mas eu amo-te".
Ela achou-o banal como a flor que ele trouxera para lhe oferecer.
Raquel limitou-se a sair de casa. Bernardo seguiu-a e agora encontravam-se os dois no alpendre da Casa do Lago que tinha paredes de madeira.
Passavam-lhe agora mil e uma ideias pela cabeça que girava a toda a velocidade levando-a para um lugar bem longe do alpendre.
Bernardo continuava a falar, a arranjar desculpas, parecia-lhe.
Foi aí que Raquel pegou no seu revólver e disparou contra o corpo de Bernardo.
Os olhos arregalados e brancos e o corpo gélido.
Silêncio. Não ouvia mais a voz de Bernardo a queixar-se.
Raquel pensou como poderia partir o coração de Bernardo fisicamente já que a besta se tinha encarregado de partir o dela metaforicamente.
Entrou dentro da Casa de Madeira e voltou pouco depois com uma placa de gesso de uma das peças de arte da colecção de Bernardo e colocou-a no peito dele. Simulou uma reanimação que quebrou a placa de gesso e supôs que tinha provocado o mesmo efeito no seu coração.
Despejou o corpo no rio.
Foi sentar-se no seu automóvel e com as mãos no volante deu liberdade aos seus pensamentos.
Estava pronta para começar do zero. Fez a chave rodar e arrancou.
No espelho retrovisor, a Casa de Madeira.

3 comments:

Anonymous said...

No espelho retrovisor, a Casa de Madeira.


WOOWWWW


isto merece uma sequela! fico à espera..


Silvia

Anonymous said...

mesmo shyco x)
depois quero ler o resto.

Rita

Anonymous said...

Marta, gostei imenso. Não só da escrita e escolha de palavras, mas da narração. Parabéns (: Eu sempre soube que havia aí uma artista : D

Inês Regalado