Cada passo que tomava em direcção ao portão de embarque era um passo
que a afastava de tudo o que tinha como certo. Afastava-a dos que estiveram
sempre presentes desde que se tinha como gente. Afastava-a de tudo o que era
território conhecido. De tudo o que conhecia e de tudo o que lhe pertencia.
Agora já só tinha a sua mochila às costas, que apenas tinha livros e
documentos pessoais mas parecia pesar uma vida inteira.
Com o aumento da distância sentia o aumento de um vazio que não
conseguia muito bem explicar e, no entanto, lhe parecia familiar por alguma
razão.
Ainda sentia o abraço apertado do seu pai e a sua imagem estava
gravada na sua mente. Como se sentira sozinha quando olhou para trás e naquele
homem viu todos os pilares da sua existência.
Esta é a história da sua Viagem. Sim, com maiúscula…
Só damos o devido valor ao que temos quando já não nos pertence. Se há
cliché que de facto é verdade é este.
Só se aprende a dar valor ao calor de chegar a casa para uma família
quando já só as paredes e a mobília nos recebem, só se dá valor a jantar com
amigos quando jantamos em frente ao computador e só se dá valor aos costumes
quando já não temos ninguém com quem os partilhar.
‘Costumes’. Esta é uma das condições a que o ser humano terá de se
render: ficar acostumado, acomodado, habituado a alguém ou a algures.
Por vezes esta comodidade é estonteante e caímos num estado de
anestesia sem sequer notarmos. Como se a nossa vida corresse em modo de auto
piloto, todos os dias e gestos iguais.
O primeiro instinto é querer fugir, querer mudar… E nem sempre é prático
remover o chão que pisamos mas se a vontade de descobrir o que esse mundo
esconde é maior que o corpo, então não há nenhum limite.
E era isso que procurava, que precisava mais do que sabia dizer.
“Quando se sonha em voar só há duas coisas a fazer”, pensou… “Ganhar
asas e resistir ao rastejar”.
E assim foi, de espírito livre e mente aberta, à procura do que lhe
faltava, do que se encontrava do lado oposto do muro alto do jardim, do que não
possuía naquele lugar exausto.
Para lá daquelas portas de aeroporto tudo era novo. À sua volta não
havia feições que conhecia mas sim uma extraordinária harmonia de etnias.
Deixou-se consumir pelo ruído urbano, pelo som dos passos, pelos
risos, pelos diferentes dialectos e perfumes. Conheceu uma cidade inquietante e
jovem, vivendo através de uma perspectiva que nunca ousara até então.
Naquele momento, não foi difícil perceber porque deixara tudo o que
lhe era querido. Aquela liberdade absoluta permitiu-lhe espaço para crescer,
abriu-lhe caminhos que julgava inexistentes, construiu novas amizades e, acima
de tudo, ofereceu-lhe oportunidades que só um país novo consegue proporcionar.
Em pouco tempo passou a fazer parte integrante daquele ruído, daqueles
risos e daquele ambiente.
Sentia-se no seu habitat natural, rodeada de pessoas com raízes
completamente diferentes, a criar e conhecer novos costumes. Finalmente,
jantares em lugares desconhecidos a experimentar novos sabores à média luz.
Já diz o povo que nunca estamos satisfeitos e não seria certamente a
excepção.
Como saberia se aquele novo lugar era o que ansiava encontrar se
sentia um vazio. Continuava a faltar alguma coisa, algum lugar, alguém.
Foi então que reparou. Estava constantemente a dizer Adeus.
Adeus família e amigos de sempre, vou partir em busca dos meus sonhos.
Adeus amigos, vou finalmente voltar a ver a minha família e amigos de
sempre! Fiquem bem, uma santa Páscoa e lembrem-se de usar os ovos que deixei no
frigorífico antes que estraguem, por favor.
Teve então um medo de que o realizar dos seus sonhos e tudo o resto
que amava, nunca se iriam encontrar num só lugar. Teria que viver toda uma vida
incompleta. Sempre com uma parte de si em falta.
Que verdade mais destroçante.
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